Contrariando o filósofo grego Aristóteles, nem sempre o começo é aquilo que precede o meio. E o meio nem sempre é o que sucede o começo e antecede o fim. E o fim nem sempre é aquilo que sucede o meio e nada mais vem depois dele.
As cores não se limitam apenas ao que os olhos podem ver. Os daltônicos e a iluminação cênica são exemplo disso.
Algumas pessoas têm maior ou menor sensibilidade aos sabores doce, salgado, amargo e azedo. E outras sequer sentem o cheiro e o gosto das coisas.
Amputados percebem e têm sensações nos membros que não mais existem.
Talvez muitas das categorias e das certezas que nos são incutidas ao longo da vida sejam insuficientes para as possibilidades que o mundo coloca todos os dias. E isso não seria diferente com a arte. Cada artista encontra o seu caminho e faz a sua trajetória, dentro ou fora da academia, ou nos dois espaços ao mesmo tempo.
Eu, por exemplo, trabalho há mais de três anos com rádio. Recebo, todas as semanas, artistas e agentes culturais diversos no meu programa. Em encontros nos quais não apenas pude conhecer e admirar muitas histórias, mas também entender e aceitar um pouco mais sobre a minha própria história. E, assim, perder alguns medos que os caminhos criativos e seus processos podem levar. Caminhos de incertezas e de necessidade de desafios, como tantos outros caminhos, não apenas os artísticos. Mas nem sempre foi assim.
Sou uma artista em formação, claro. E acredito que sempre serei. Mas não foi apenas a academia que me proporcionou essa consciência e muitas experiências. A arte me reside desde o ventre da minha mãe. Segundo ela, durante a gravidez, o meu pai cantava para mim a música Guri, do Chico Buarque, acreditando que eu seria o filho homem de uma conjuntura não planejada, mas bem aceita. E, no dia que eu nasci, a minha mãe assistia ao filme O Garoto, de Charles Chaplin, o que a fez ter um acesso de risos e a pensar que havia se urinado. Fato é que, horas depois, eu vi a luz e respirei com os pulmões pela primeira vez. Tanto meu pai quanto a minha mãe esperavam algo de mim que não foi propriamente o que eles tinham em mente. E eu também esperava muitas coisas de mim mesma.
Espetáculo 'Contador Geiger - Histórias em Rádio-Atividade', que é um experimento de Transmídia em Rádio
A vida com a arte, embora presente nas vivências desde a infância, não era uma alternativa que eu imaginava para mim. E, quando passou a ser uma possibilidade maior, eu não a via como a vejo hoje. Comecei com a Comunicação Social, passando pela História, onde já iniciei com as pesquisas em Cinema. Depois, formei-me em Roteiro Cinematográfico, ingressei nas Artes Cênicas e, como se não bastasse, entrou o rádio no meio da história. E eis que o caos se instaurou de vez.
Muitas informações, muitos caminhos, muitos desvios de curva e interferências não planejadas. Eu me sentia como as crianças do filme Paisagem na Neblina, de Theo Angelopoulos, diretor grego que faleceu atropelado em 2012. As crianças que estavam em busca de um pai, que sequer conheciam ou sabiam se estava vivo, e que embarcaram clandestinamente numa viagem de trem, para chegar a algum lugar que elas não sabiam ao certo onde era. Uma sensação e um dilema entre o ficar e o partir. E a partida dolorosa, cheia de violações ao longo do caminho, mas necessária.
Dizem que o caos é uma forma de organização. Então, pelo menos me cai muito bem pensar assim. Hoje, a arte que me reside e que busco está entre a Performance, as Artes Visuais, a Transmídia e o rádio. E causa estranhamento em muitas pessoas. Afinal, qual nome dar para tudo isso? Bem, é com esta viagem para a qual estou vivendo, agora sem tantos medos e, sobretudo, adentrando as fronteiras do que ainda não é completamente definido, até que o caos instale outras perspectivas.
E eu não estou sozinha. Você, que está lendo, não tenha medo da neblina e das bifurcações ao longo do caminho. Com o tempo, a gente se adapta e passa a explorar a potência dessa paisagem, na qual estão juntos passado, presente e futuro. Começo, meio e fim. Não necessariamente nesta ordem. O que importa é manter o movimento e orientar-se pelo coração, pela coragem que passa por ele e que nos oferece o instinto e a intuição para sobrevivermos. Desafiar-se e nem sempre ter a razão é preciso, para encarar as paisagens na neblina ou, ainda, as paisagens na escuridão!